O “desprogresso”

“Quanto menos amamos o dinheiro, melhor o possuímos” (Agostinho de Hipona)

A indústria tecnológica está ajudando a trazer à tona um grave problema presente na atual humanidade: o sentimento de insatisfação. Faz isso colocando à disposição, muito mais que no passado, em quantidade e qualidade, instrumentos, ferramentas, e dispositivos que podem dar mais conforto, maior expectativa de vida, mais rapidez na comunicação e na produção de bens. Por que colabora para que a atual geração seja assombrada pela insatisfação, se fabrica tanto progresso?

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Porque as pessoas não conseguem ter o melhor que a tecnologia pode oferecer e por duas razões: primeiro pela falta dos recursos financeiros, necessários à aquisição de todo aparato produzido na indústria moderna. Segundo, porque diariamente lança-se no mercado novidades, de maneira que sempre alguém terá um outro mais atualizado que ele, nunca podendo dizer que tem tudo o que há de mais moderno, senão por pouquíssimo tempo.

E é impressionante como o mercado se beneficia deste sentimento de insatisfação que ele próprio ajuda a criar e manter. Basta perceber que muitas das trocas de bens e equipamentos que são feitas são motivadas pela aquisição de um modelo mais novo, que na essência faz a mesma coisa, só acrescido, de fato, de alguns detalhes que o deixam um pouco mais “moderno”, verdade, com um melhor desempenho, que nem sempre justifica seu custo maior.

A insatisfação é um dos piores sentimentos que podemos compartilhar. Ela não deixa a felicidade fluir como gostaríamos e impede-nos de ver a beleza, a qualidade, os benefícios em pessoas ou coisas. Um indivíduo insatisfeito com a vida não consegue nunca realizar as férias tão aguardadas, festejar a data de aniversário dos filhos, de casamento ou outras datas importantes e marcantes da vida. Quando insatisfeitos, nosso sentimento é como daquele torcedor que viu seu time ser campeão ao terminar a partida final em 0 x 0. Mesmo campeão faltou aquele momento de gritar o gol da vitória. E como é entediante uma partida de futebol sem gols.

Mas se não posso ter tudo o que a indústria tecnológica diariamente coloca à minha disposição, como não conviver com esse sentimento de insatisfação? O caminho para isso é um só: entender que a satisfação com a vida não deve estar calcada naquilo que você tem ou pode ter, mas sim naquilo que você é ou pode ser. Pois se não estiver satisfeito consigo mesmo, com quem você é e aquilo que você é, de nada adiantará se tornar um consumista, comprando tudo o que quiser, que continuará carregando dentro de si este sentimento de insatisfação.

Como já disse o pregador “quem ama a abundância nunca se farta da renda” (Ecl 5.10). A satisfação com a vida vinculada à aquisição de coisas é apenas efêmera e paliativa. A duradoura, de ação real e constante está vinculada à elementos que não estão à venda e não são produzidos pela indústria moderna. São porém elementos que Deus oferece a todos os que o buscam com dedicação e seriedade. Paulo, o apóstolo, disse aos fiéis da Galácia que no Espírito frutificamos paz e alegria (5.22). Estes sim, elementos da satisfação. A vida no Espírito é aquela que valoriza as pessoas, a si próprio, ao próximo e a Deus.

Assim, viva satisfeito com a vida aprendendo a valorizar e adquirir aquilo que realmente traz satisfação, elementos estes que não estão à venda, são gratuitos. Se você pode adquirir coisas, muito bem. Mas não coloque nelas seu coração. Assim, se você perdê-las, encontrará dentro de si mais condições para prosseguir sua vida, satisfeito.